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Não cabe amadorismo quando o assunto é investigação policial

Não cabe amadorismo quando o assunto é investigação policial

Recentemente ocorreu um crime que chocou todo o Brasil pelo fato de envolver uma criança, a qual, além de indefesa, parece ter nos seus algozes, justamente, aqueles que deveriam defendê-la. Isso, de fato, causa uma grande comoção e revolta, gerando, naturalmente, uma avalanche de notícias na imprensa, nas mídias sociais e até mesmo nos grupos de mensageria eletrônica 

A partir das primeiras divulgações da prisão dos suspeitos, começaram a surgir, talvez por descuido, imprudência, displicência ou até mesmo para se conseguir mais atenção (ou seguidores), algumas postagens, vídeos e notíciasas quaisinadequadamente, retratam e descrevem com detalhes parte dos procedimentos investigativos e periciais que foram executados. Algumas delas, inclusive, com crassos erros técnicos. 

Assim, antes de refletir sobre os inconvenientes que tais postagens podem causar, cabe observar que uma perícia deve ser sempre realizada por alguém devidamente capacitado e habilitado, não havendo espaço para amadorismos no manuseio de evidências digitais e, muito menos, uma situação em que alguém assista um vídeo em uma mídia social e decida, a partir daí, realizar uma períciaIsso pode ser tanto crítico na medida em que pode contaminar a evidência, como pode levar a conclusões completamente inadequadas. O caso de uma professora do ensino básico nos Estados Unidos(Julie Ameroque foi injustamente condenada em função de uma perícia digital realizada com vários erros, o caso da professora Julie Amero é um exemplo clássico dos riscos de uma perícia ser conduzida por profissional que não seja competente.

Webinar o que é necessário para virar um perito foresense digital

Em um webinar gratuito, Luiz Rabelo, prof. e coordenador da pós de perícia forense digital no IDESP, explica qual é o mercado para Perícia Forense Digital. 

Um perito em tecnologia da informação é um profissional que, regra geral, possui uma boa experiência e passa por constantes treinamentos para se manter atualizado nas técnicas empregadas, para restaurar dados que estejam em forma digital, sempre observando requisitos legais e as melhores práticasDestaque-seum procedimento bem definido e corretamente executado é um dos mais importantes fundamentos que um perito deve respeitar, sendo que um bom perito realiza e testa esse procedimento várias vezes em ambiente de laboratório e de treinamento, antes de executá-lo em uma situação real, afinal, a inteligência é do perito e a ferramenta que ele utiliza é apenas um meio. 

Inclusive, muitos treinamentos são restritos para as forças da lei, sendo comum que nos treinamentos abertos o aluno tenha de assinar um documento de não divulgação e mesmo de emprego ético dos conhecimentos. Um documento de não divulgaçãopoderia, em tese, ser até dispensável para peritos que são servidores públicos, os quais têde observar o disposto nartigo 325 (violação de sigilo funcional) do Código Penal e, no caso de servidores públicos federais, o disposto na Lei 8.112/90, em especial os incisos III (observância de normas legais e regulamentares) e VIII (guarda de sigilo) do artigo 116.  

Ademaisessa situação atual nos leva a lembrar que e1883, Auguste Kerckhoffs, um importante criptógrafo e linguista holandês, publicou seis princípios a serem observados no projeto prático de um algoritmo de cifra militar, sendo o segundo deles, talvez, o mais famoso (conhecido como o princípio de Kerckhoffs) que diz:  

“2 ° É necessário que não se exija o segredo e que possa sem inconveniência cair nas mãos do inimigo”

Aqui ficou claro que Kerckhoffs diz ser um requisito que a divulgação do algoritmo criptográfico a um inimigo não comprometa a sua segurança, sendo isso bem distinto de dizer que o algoritmo deve ser divulgado, e isto ele não escreveu. 

Então, por extensão e do mesmo mododevemos considerar que na investigação e na perícia digital são utilizados procedimentos e ferramentas que até podem cair nas mãos de criminosos, sendo que, caso isso de fato ocorra, não deve causar qualquer embaraço 

Marcelo Nagy, perito digital, CISO QualiSign, Professor, Curador e Palestrante, explica sobre a Prática do Perito Forense Digital na Indústria 4.0

Ainda no mesmo diapasão, não é pelo fato que pode ser que não ocorra problema no caso de divulgação que devemos assumir que um procedimento ou ferramenta de investigação e perícia possa ser de amplo conhecimento. Pelo contrárioquanto menor for o conhecimento dos criminosos acerca da atuação pericial, melhor será para as forças de lei, que atuam geralmente com muitas limitações de pessoal e de equipamento, tendo em vista a aplicação, em alguns casos pelos marginais, de técnicas que buscam o apagamento de rastros digitais 

Por fim, é muito importante aos profissionais que atuam com investigações e perícias terem, como norma, que os procedimentos de investigação e de perícia não devem ser públicos, mesmo que uma informação possa ser pesquisável, pois não convém facilitar o trabalho do criminoso. Quem quiser divulgar o seu trabalho para ter alguns minutos de fama ou angariar mais seguidores, sob o risco de dificultar investigações e perícias futuras, deve buscar uma outra área para atuar que não imponha um sigilo apropriadoE ainda, se algum jornalista ou repórter perguntar como o suspeito foi identificado, responda que foi uma investigação policial. 

Sobre Marcelo Caiado

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Assessor-chefe da Assessoria Nacional de Perícias em TIC - MPF, Digital forensics and cybersecurity professional | Author, speaker & mentor e professor da pós-graduação de Cyber Threat Intelligence - IDESP

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